sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Por mares nunca dantes navegados.

"Eduarda." E a princípo eu nem tive a oportunidade de notar a estranha agitação - Simplesmente porque agitação, em se tratando do meu pai, é algo bem comum.
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Nem respondi. Um dia de Educação Física - depois do horário! - Pode me deixar com um humor tão estremecido quanto nem se pode imaginar.
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"Aquela menina Carla do negócio UWC te ligou." Foi exatamente assim. Ele sempre usa uns substantivos aleatoriamente na frente daqueles que realmente pretende falar. Eu, fingindo a calma que simplesmente não havia, esperei pela continuação e vim a saber que ela tinha se recusado a contar o resultado a alguém que não fosse eu. Óbvio.
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Óbvio também que não aguentei esperar por telefonema nenhum. O que ouvi quando consegui falar com ela foi algo como "Nós gostamos muito de você e temos uma bolsa integral disponível pro colégio da Itália."
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Meus gritos foram internos e extremamente silenciosos. O são até hoje. Falta um dia pra que eu esteja no continente do Mundo Velho.
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Eu ainda posso me lembrar das conversas à mesa, bem aqui nesta mesma casa onde ainda me encontrarei por mais um dia, em que eu falava sobre o impossível aos meus pais, uma vez que, se não é falado do que é impossível em família, sem medo do ridículo, nada pode ser alcançado.
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Mas o fato é que nós, aqui, nunca traramos nada como impossível. Tudo está ao nosso alcance. E de repente chegou minha vez. É mesmo muito estranho saber que daqui a um dia eu estarei dentro de um avião, sozinha, rumo a um país que antes me era conhecido através dos livros - E é igualmente inevitável não lembrar das noites em que eu dizia abertamente, sem compromissos, que um dia iria viajar por todos os lugares que tivesse vontade, ignorando a falta de grana bem aparente à minha volta.
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A oportunidade não foi avassaladora - Foi tão sutil quanto eu nem imaginava que poderia ser. Alguém cujo nome nem faço idéia foi à nossa sala, no Centro, e disse que havia uma organização não sei das quantas oferecendo bolsas de estudo e, para consegui-las, era necessário passar por um processo seletivo de abrangência nacional. 
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Como era bem comum, eu nem estava na sala de aula. Provavelmente aquele fora um dos muitos dias em que minha caderneta recebia mais um carimbo vermelho de falta. orte, destino, whatever. As minhas amigas, as melhores, anotaram o nome do tal site, porque achavam que eu me interessaria.
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De fato, alguns meses depois aqui estou eu, com as malas prontas bem ali na sala, pensando no quão sortuda eu sou. O quão sortuda eu sou por ter os pais que eu tenho, as amigas que eu tenho, o colégio que eu tenho - Ninguém, ninguém se torna ex-aluno de um Colégio Pedro II - Pelos professores que eu tenho,  tive e terei. São de longe os melhores presentes que eu poderia receber, e foda-se caso isso soe piegas.
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Enfim, é por isso que esse blog existe, essas palavras existem, e é por isso que eu estou acordada agora, às dez pras 4 da manhã.
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Porque meus pais ficarão loucos se não souberem o que se passa, porque vou gostar de escrever em português, porque preciso compartilhar a experiência com outras pessoas e ter esperanças de que a sorte não bata apenas à minha porta.

Meu nome é Eduarda, eu sou uma carioca de 18 anos com feições de 14, ex aluna do Colégio Pedro II, indo para os próximos 2 anos no United World College of the Adriatic.O lugar em que eu vivo, bom... Chamam de Rio de Janeiro, mas o Cristo Redentor fica de costas pra gente aqui. 
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Moro num Rio de Janeiro onde passam bois, vacas e porquinhos pelas ruas asfaltadas, onde os micos vêm comer frutas nos nossos telhados, com um pai e uma mãe únicos e uma irmã mais nova atingida pelo clichê de ser implicante. Tenho uma gata chamada Jamia, um vizinho chamado Pelé e ele tem um olho maior que o outro, uma outra vizinha chamada Margarida que xinga palavrões enquanto lava roupa (e sim, achei relevante).
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Atualmente anestesiada por felicidade e insônia.